ENTREVISTA COM HISTORIADOR DO MUSEU DA 2°GUERRA MUNDIAL
- Marcello Nakaishi
- 6 de nov. de 2018
- 11 min de leitura
Grupo de Estudo de Lugares de Memória de Ribeirão Preto (ELUME-RP).
Entrevista com o historiador Vitor Pavani.
Na sexta-feira, dia 21 de setembro de 2018, o grupo ELUME realizou uma entrevista com o historiador Vitor Pavani, atual responsável pelo Museu da Segunda Guerra Mundial Expedicionário José Vivanco Solano. A seguir, segue a entrevista com perguntas relacionadas ao museu, seu acervo, seus recursos, seus projetos e seus públicos.
ELUME-RP. Como é seu nome, sua profissão e seu vínculo com o Museu da Segunda Guerra?
Vitor Pavani: Meu nome é Vitor Pavani, sou historiador formado pelo Centro Universitário Barão de Mauá, atualmente sou o responsável pelo acervo, que hoje é administrado pela Associação dos Militares e Oficiais da Reserva (AMOR). Sou a pessoa que fez a catalogação e a reestruturação do acervo e também tenho uma relação mais afetiva porque também é um acervo que eu conheço desde que era criança, vinha aqui com minha avó quando tinha 8 ou 9 anos de idade e sempre tive vontade de conhecer mais, sempre tive paixão pela história e por coisa antiga.
ELUME-RP. Quais foram suas motivações para trabalhar com o museu?
Vitor Pavani: muito por acaso, eu morei em muitos lugares, sai e voltei, queria fazer História, depois não queria, mas quando tive a oportunidade de estar aqui, vim muito por causa dessa memória que eu tinha. É um lugar que tinha significado para mim então eu queria estar, participar e fazer acontecer seu funcionamento.
ELUME-RP. Quanto tempo você está a frente do museu e você sabe quais foram as gestões anteriores?
Vitor Pavani: O museu foi fundado em maio de 1998, na época pela Associação dos Ex-combatentes de Ribeirão Preto, junto a parceria com a Associação dos Militares da Reserva que é dona do prédio e com a Prefeitura Municipal que na época entrou com recursos, com toda assistência da parte jurídica e a Associação dos Ex-combatentes entrou com a doação do acervo, com os funcionários que aqui trabalhavam, com as pessoas que realmente montaram o museu. O problema é que com o passar dos anos os ex-combatentes foram envelhecendo e a maioria deles foi falecendo, um após o outro, e desde 2012, que não tem mais a gestão deles. Até um determinado ponto, pessoas que eram relacionadas aos ex-combatentes, familiares ou amigos continuaram mantendo o museu, mas chegou uma hora que não tinha mais como manter o museu e então e o museu foi fechado, durante 4 ou 5 anos. Ficou sob responsabilidade da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, mas não houve qualquer tipo de iniciativa de um poder público para reabrir o museu, para manter o acervo e para ter algum tipo de projeto para o futuro do museu. Em 2016, houve um processo seletivo para estagiários da História que iam trabalhar alimentando o banco de dados do sistema de museus de Ribeirão Preto e selecionaram na época 4 estagiários, eu era um deles. Numa segunda parte no nosso contrato de estágio, durando 6 meses mais ou menos, eu vim junto com outro estagiário para fazer a catalogação do acervo, botar em ordem, levantar o que tinha. Em teoria deveríamos fazer isso para lançar no sistema de museus. Nas eleições de 2016, entrou a administração Duarte Nogueira, não houve continuidade nos estágios no museu, na catalogação que a gente fez e nas fichas foram arquivadas, nosso contrato encerrou e não foi prorrogado e eu fiquei sem nenhuma função. Em março de 2017, o tenente Costa, que é presidente da Associação dos Militares e Oficiais da Reserva me chamou, ele tinha visto o trabalho que a gente estava fazendo, tinha interesse em tomar conta do museu e precisava de alguém que tinha conhecimento do acervo e de História para ficar à frente do. Eu fui chamado, primeiro temporariamente só para fazer a reorganização e reestruturação porque o acervo estava virado de ponta cabeça, tudo encaixotado, tudo bagunçado, eu vim, montei o museu e depois fechou de novo, porque a Prefeitura Municipal tinha a promessa de que viria um funcionário para cá. A Associação dos Militares depois de muito pedir e de várias vezes ter conversado e não ter chegado num acordo, resolveu que eles mesmos iriam arcar com esse custo, e então em dezembro de 2017 eu fui contratado de novo e desde dezembro de 2017 eu estou trabalhando para a Associação dos Militares como responsável pelo acervo do Museu. Sou eu que faço as visitas, faço toda parte institucional, eu recebo as ligações em qualquer coisa que diz respeito ao museu, sou responsável pela documentação, sou eu que entro em contato com escolas, empresas, eu faço esse meio de campo entre o Museu da Segunda Guerra Mundial e as pessoas que tem interesse em vir visitar ou participar dos projetos do museu.
ELUME-RP. Como foi criado o museu e como foi formado seu acervo?
Vitor Pavani: O museu foi criado pelo esforço dos ex-combatentes daqui de Ribeirão Preto, com destaque claro, para o tenente Vicente Diogo de Oliveira, que estava a frente e ficou aqui muito tempo. O museu foi formado através de doações, tanto da 5º Circunscrição Militar (5 CSM), que doou parte dos armamentos que tem aqui e fizeram o intermédio da doação de algumas peças que são da Marinha do Brasil. Mas principalmente, o acervo foi formado por itens pessoais e particulares, os ex-combatentes e as famílias colecionavam peças e foram doando e montando o museu. O museu foi fundado no dia 8 de maio de 1998, a ideia era inaugurar o museu em 8 de maio de 1995, que era o aniversário de 50 anos da vitória, mas acabou que a inauguração atrasou, então eles fizeram 3 anos depois, no aniversário de 53 anos da vitória fundaram o Museu da Segunda Guerra Mundial.
ELUME-RP. Do que é composto o acervo do museu?
Vitor Pavani: atualmente o acervo conta com 427 itens catalogados e mais cerca de 60 que ainda estão sem catalogação. São itens que eram parte da reserva de acervo e itens que foram doados posteriormente à nossa catalogação, que foi realizada em 2016. Os 60 itens que não estão expostos, precisam ser trabalhados. Alguns precisam ser restaurados e precisam ser tratados por especialistas. Aqui tem de tudo, desde pertences pessoais dos pracinha como fardas e documentos, como equipamento de transmissão de rádio. Temos 19 armas de fogo, tem 2 peças de artilharia, munição, cartuchos tanto deflagrados quanto intactos. Temos então um acervo bastante rico. Imagens, fotos, tem de tudo.
ELUME-RP. Hoje em dia o museu ainda recebe peças para o acervo, existe alguma forma de burocracia para doar peças ao acervo?
Vitor Pavani: A gente recebe itens normalmente, não existe nenhuma burocracia. Qualquer pessoa que quiser doar qualquer peça que tenha relevância e que faça sentido de estar presente no acervo, poder doar. A gente faz a catalogação, cria uma ficha para aquela peça e fica exposta.
ELUME-RP. A exposição do acervo para o público é periódica ou permanente?
Vitor Pavani: A nossa exposição é permanente. Nós temos nosso horário de funcionamento e aberto para qualquer pessoa que queira visitar o museu em qualquer momento.
ELUME-RP. Como o museu se mantém e qual é o tipo de vinculo do museu com a Prefeitura Municipal?
Vitor Pavani: Atualmente o museu é gerido e mantido pela Associação dos Militares e Oficiais da Reserva. A associação não tem qualquer interesse na questão de ter lucro. Em contrapartida, a associação investe dinheiro no museu pois tem o interesse na preservação da memória de Ribeirão Preto, na preservação da memória do museu e na preservação da memória militar. A associação pretende usar uma parte da receita que tem como empresa para fazer esse trabalho e para exercer esse caráter cultural. Tecnicamente o museu é municipal, ele é patrimônio da cidade, até por isso não existe cobrança de visitação. Não temos qualquer interesse de criar uma taxa para você poder visitar e conhecer o acervo. É um museu municipal, é um museu público, mas gerido por uma empresa privada. A relação que a gente tem com a Prefeitura é muito pequena. Temos dois itens aqui que são tombados pelo patrimônio histórico de Ribeirão Preto, a placa com os nomes dos ex-combatentes e o busto do marechal Mascarenhas. Essas duas peças são irremovíveis não importa o que aconteça aqui dentro, fora isso a gente não tem relação com a prefeitura. Se entrarmos na questão da tutela jurídica do museu, provavelmente a Prefeitura Municipal ainda é responsável, mas em termos práticos é a associação dos militares que está cuidando do museu. A associação que está pagando pelas reformas, pela reestruturação, a associação que mantem o funcionário que fica aqui.
ELUME-RP. Você considera os recursos que o museu tem adequados as suas necessidades?
Vitor Pavani: De certa forma, sim. Acho que a gente está fazendo um bom trabalho. Existe uma limitação e ela é óbvia quando se tem uma empresa que está gerindo o museu, que é um espaço de memória e que não tem a finalidade de ter algum tipo de lucro. Tem uma limitação financeira grande, mas até então, o que precisamos fazer, conseguimos. Por exemplo, a restauração das peças de artilharia que necessitam de um trabalho especial para pintar e manter as peças para que não sofram algum tipo de corrosão, nós fizemos. Conseguimos fazer adaptações para a acessibilidade, conseguiremos fazer os projetos do futuro, mas o ideal seria que a Prefeitura Municipal também assumisse suas responsabilidades e sua parte. Temos projetos e a viabilidade financeira deles é compatível com o que precisamos.
ELUME-RP. O museu possui ações para os visitantes ou parcerias?
Vitor Pavani: Atualmente não. Nós buscamos fazer um link. Um canal entre o Museu da Segunda Guerra Mundial e os outros espaços de Ribeirão Preto. Esse é um projeto muito legal por ele não precisa de dinheiro. Queremos criar um circuito cultural em Ribeirão Preto, conectar os espaços que a gente tem de memória, de cultura e de preservação de maneira de um indicar ao outro. A única instituição que a gente tem ligada ao Museu da Segunda Guerra por dividir o mesmo prédio é a União dos Escritores Independentes de Ribeirão Preto e a Casa do Poeta. Então, geralmente o pessoal da Casa do Poeta conhece o museu, e geralmente são eles que nos convidam para os eventos. Sobre projetos o único projeto que a gente tem é justamente a visitação nas escolas. Como é muito difícil as vezes você trazer a escola, principalmente a escola pública para o museu, pois une questões de custo e de calendário, um os projetos que a gente tem é levar o museu para escola. Separar alguns itens do acervo e ir até as escolas dar uma aula sobre a perspectiva do combatente ribeirão-pretano na Segunda Guerra Mundial.
ELUME-RP. O museu possui algum espaço para pesquisa ou biblioteca?
Vitor Pavani: Atualmente não, mas está em um dos projetos. Assim que a gente terminar as reformas estruturais, queremos montar uma sala de leitura. Temos atualmente cerca de 300 títulos relacionados a História Militar, a História da Segunda Guerra e História do Brasil e queremos disponibilizar para o público. Apesar de não termos a biblioteca, sempre que alguém precisa de alguma pesquisa e vem falar conosco, eu estou sempre cedendo por empréstimo livros ou recomendando artigos. A ideia é realmente a gente montar uma biblioteca física e também montar um espaço multimídia onde a gente consiga colecionar um acervo de mídia digital. Temos uma coleção de filmes e a ideia e justamente criar um centro de mídia, um centro de pesquisa.
ELUME-RP. O museu possui algum espaço para a exposição de filmes ou realização de palestras?
Vitor Pavani: Possui. Temos no segundo andar o salão social da Associação dos Militares. Ele é disponível atualmente se precisarmos fazer alguma palestra sobre Segunda Guerra Mundial. Ele está disponível se a gente quiser fazer uma palestra sobre cultura, sobre Ribeirão Preto ou sobre a História de Ribeirão. Esse espaço é grande, cabem 90 pessoas.
ELUME-RP. O museu promove eventos, palestras ou workshops?
Vitor Pavani: Não. A gente tem o plano de promover, mas ainda não promove.
ELUME-RP. Qual é o público alvo que o museu pretende e qual tipo de público que o museu recebe?
Vitor Pavani: O público alvo que o museu pretende são os adolescentes e os jovens, principalmente em idade escolar. É mais interessante incutir neles a noção de consciência histórica, de espaço de memória, de memória principalmente regional, dessa ligação de conexão e significado com a cidade que eles vivem. O público que a gente acaba recebendo é basicamente o público que vem visitar o bosque municipal, que é geralmente as famílias que estavam no bosque, ao verem o museu, que chama a atenção principalmente das crianças. Muito mais gente de fora, das cidades vizinhas, visitam o Museu. Por exemplo, no mês de janeiro de 2018, a gente recebeu 375 visitas, 40% era de Ribeirão Preto, a segunda cidade que teve mais visitas foi Passos de Minas Gerais, 10% dos visitantes foram de Passos. acaba que a gente não atinge muito bem o público alvo.
ELUME-RP. O museu recebe e tem projetos para as escolas?
Vitor Pavani: Tem, recebemos escolas. Eu tenho na minha agenda vários compromissos e visitas com escolas. Geralmente quando recebemos escolas, fazemos um atendimento diferente. Acompanhamos desde lá de fora, fazendo uma visita mais guiada, apesar do espaço ser pequeno. Talvez o grande desafio de receber escola é esse. Ter mais de 40 pessoas dentro do espaço do museu, você acaba perdendo um pouco a noção do espaço, você acaba perdendo a capacidade de se comunicar com todos, pois o espaço é muito pequeno e acaba ficando meio caótico. Das ideias que temos, tem a visitação do museu, no térreo, espaço onde está realmente exposto o acervo onde a gente ali tira dúvidas, faz o acompanhamento mais básico. Lá no ultimo andar a gente sobe com o pessoal no salão social da Associação dos Militares e lá damos uma pequena palestra, explicamos um pouco sobre o acervo, sobre o museu, sobre a História e fala um pouco sobre o institucional como o que é o museu, porque está aqui e qual é a importância disso. Lá geralmente os militares querem fazer um ato cívico, então toca o hino nacional e o hino da bandeira, acaba meio que se tornando um evento.
ELUME-RP. O governo e os cidadãos contribuem com o Museu da Segunda Guerra Mundial?
Vitor Pavani: A prefeitura não, mas os cidadãos contribuem. Tem muita gente sendo voluntaria em várias coisas que fazemos, então as vezes tem um visitante que acaba recomendando o museu para outros visitantes, o que é importante para nós. É uma escola que chama outras escolas, é um colega que conhece alguém que tem uma iniciativa. Por exemplo, esteve aqui um pessoal há um tempo atrás, eles têm uma página no facebook chamada secret ground. É um casal, uma brasileira e um holandês e eles trabalham com viagens e turismo. Eles fazem viagens para locais históricos da Segunda Guerra Mundial, foram pessoas que contribuíram demais não com algum tipo de compensação material, mas com conhecimento. Tem alguns empresários que conversam conosco, que fazem o meio de campo se precisarmos de uma captação de recursos. Tem pessoas que são voluntárias, se eu precisar de alguma ajuda.
ELUME-RP. O museu possui projetos para o futuro?
Vitor Pavani: Temos projetos para o futuro. O museu passa pelo processo de adequação. Atualmente, acabamos de promover uma reforma no ultimo andar, uma reforma para a acessibilidade do banheiro de lá. Estamos fazendo no andar térreo uma reforma agora agora para a acessibilidade do andar. Precisamos estar dentro das adequações. Se comparecer um visitante que é deficiente físico nós temos que ter como receber esse visitante da mesma maneira que recebemos os outros. Nós ainda não pensamos em soluções para receber visitantes que são deficientes visuais ou auditivos. O primeiro rapaz que eu recebi aqui era deficiente visual e auditivo, foi uma experiencia completamente diferente, pois ele experimenta o acervo de uma maneira diferente, então nós tínhamos que pensar em alguma coisa para isso. O projeto que a gente tem é transformar o museu num centro cultural sobre Segunda Guerra e História de Ribeirão Preto. Para isso, queremos primeiro, inaugurar a biblioteca, um projeto que é para ainda esse ano, e inaugurar a nossa sala de multimídias e de pesquisa. A nossa ideia é justamente transformar o museu num centro de eventos e promover palestras, encontros, lançamentos de livros, feira. Nós temos uma serie de títulos. Livros que não tem relação alguma com o acervo do museu e que provavelmente não iremos ficar com eles, então a gente vai fazer uma doação de livros. Então você chega e leva o livro que você quiser, dos que a gente tem pra doar, e se você quiser levar um livro para doar para a gente, leva. Queremos trazer a ideia de evento, essa ideia de reunião de pessoas no museu, e o museu ser um espaço onde você está reunindo as pessoas. Temos um salão social que é enorme, que cabe quase 100 pessoas, a ideia é promover eventos e o museu acabar sendo mais um atrativo. Oque dá grande significado pra o museu não é o item, as peças, mas são as pessoas e as pessoas são o mais importante no museu.
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